segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Texto 2 - Fanzine Edição #09

Exploração Sexual

"Você não pode quebrar meu espírito.

Eu não queria transar com ele. Ele estava entrando e saindo do meu corpo, seu peso me pressionando contra a cama, sua respiração ofegante e molhada contra meu pescoço e tudo o que eu conseguia pensar era que eu não queria transar com ele. Eu nunca o vi em um contexto sexual durante toda nossa amizade. Eu nunca nem por um momento estive suavemente curiosa sobre como seria estar fisicamente íntima com ele. Na verdade, eu nunca o achei atraente. Ele não era um grande amigo, mas um conhecido casual que eu procurava sempre que a Spitboy estava em turnê e tocava pela Bay Area. E foi exatamente assim que eu acabei nessa situação em primeiro lugar. A banda dele estava ticando na Rua Gilman e eu desci para o show para assistí-los ticando. Ele até dedicou uma música para mim e eu não soube disto até que alguém comentou comigo mais tarde na noite. Eu e ele conversamos um pouco durante o show e depois que tudo mundo acabou de tocar, um grupo de pessoas se dirigiu até uma casa punk da localidade para uma festa pós-show. Quando começou a ficar tarde e as pessoas ainda estavam festejando, eu ofereci para ele um lugar para ficar na minha casa. Como ele não bebe, imaginei que seria um saco pata ele ter que passar a noite na casa, onde as pessoas estavam cada vez mais bêbadas e acabadas. Eu não estava bebendo naquela noite, então ofereci para ele um lugar calmo para cair. Nós fomos para meu apartamento e fizemos chá, sem realmente conversar sobre qualquer coisa vital ou importante, só papos bem comuns. Eu expliquei que ele poderia dormir no chão, mas que confiava nele e estaria confortável com ele dormindo na minha cama. Nós fomos para a cama, eu virei de costas para ele e ele encostou-se em mim, com seu braço em volta da minha cintura. Pra mim estava bem estramos aconchegados, então eu não reclamei e nem lhe pedi para que me deixasse. Sua mão começou a esfregar minha barriga e então foi em direção aos meus seios. Eu fiz ele parar e expliquei que não estava afim de sexo, que ficarmos aconchegados estava bom, mas nada sexual. Nós nos deitamos de costas de novo e ele ficou  quieto por um momento, e então sua mão começou a esfregar minha barriga novamente, movendo-se até o meu peito mais uma vez. Desta vez, ele também começou a insistir verbalmente. Eu fiz ele parar de novo, mas depois de um curto momento ele começou novamente. Eu interrompia, ele começava. Para trás e para frente. Finalmente eu desisti. Sucumbi à sua pressão. Eu concordei em fazer algo que não queria fazer. Durou alguns poucos minutos, e depois ele rolou de cima de mim e eu coloquei meu pijama novamente, me afastei para bem longe dele e nunca mais falei disso até agora. 
Parte desta coluna foi inspirada pela Arwen Curry na Maximun Rock N'Roll #247, onde aborda a questão de confrontar estupro e abuso sexual na cena punk. Se você não leu o artigo dela, por favor leia. Ler o artigo levantou muitas questões para mim que envolvem o que as mulheres consideram abuso sexual e o que elas consideram o fardo para toda vida de ser uma mulher. Os comentários indesejados, o ocasional toque/agarro anônimo em um show lotado, os bêbados desajeitados numa festa... são estes aspectos de ser uma mulher que nós todas simplesmente teremos que esperar? Se alguém agarra a bunda de uma mulher num show, a banda vai parar de tocar e todo mundo vai para o show, pegar o agressor e chutá-lo para fora e falar para que ele nunca mais volte? Rotulá-lo como alguém que abusa sexualmente as mulheres e deixar claro que ele é indesejado na cena punk? Ou o show apenas continua seguindo? Infelizmente, eu estive em muitos shows onde uma mulher recebeu contato sexual indesejado e os shows sempre seguem noite adentro. Ler o artigo da Arwen também trouxe à tona questões que me fizeram agonizar durante muito tempo. Existem homens na cena punk que conheço e que abusaram sexualmente de mulheres. Existe um cara de uma banda que chorando me contou sobre como ele transou bêbado com uma menina em um jardim, e ela estava chorando e obviamente não estava fim daquilo e ele fez do mesmo jeito. Tem o cara que está direto na MTV, que me contou sobre como costumava deixar as garotas demasiadamente bêbadas e então fodia elas. Ou o cara que leva o selo de discos que levou uma amiga minha para casa quando estava bêbada e mesmo quando ela disse não repetidas vezes, assim assim ele a forçou. Ela descreveu graficamente para mim como estava dizendo não, enquanto ele forçava passagem para dentro do corpo dela. Estes são homens de bandas que você reconheceria instantaneamente. Homens bem considerados e respeitados na cena punk. Homens que escrevem para fanzines que você lê. Todos esses eventos que foram compartilhados comigo aconteceram muitos e muitos anos atrás, e alguns poucos homens demonstraram profundo remorso, arrependimento e culpa sobre o que aconteceu. Então isto é um motivo para me manter em silêncio? Estes homens serão banidos da cena punk e colocados para sofrer da mesma maneira que as mulheres que eles estupraram sofreram? Até onde posso dizer por todas as vezes que essa questão foi levantada na cena punk, não. Não, eles não irão perder nada de sua auto-estima e valor na cena punk. Não, eles não serão exilados e punidos. Na minha situação que descrevi anteriormente, tudo o que eu queria era aconchego, ter um amigo dormindo perto, ter a chance de conversar e oferecer um lugar seguro para cair e para que ambos, confortavelmente, caíssemos no sono. Ao invés disso, fui manipulada e coagida a fazer sexo com alguém com quem eu nunca quis. Eu poderia ter dado um soco nele, um tapa, gritado por socorro, empurrado ele para fora pela porta, pedido que dormisse no chão... eu tive opções. Mas estava fraca e ele forçou caminho entre a fraqueza até que conseguiu o que queria. Eu penso em todas mulheres por aí afora, que lutaram para encontrar voz para dizer NÃO. As mulheres que disseram não e tiveram isto desconsiderado. As mulheres que desmaiaram bêbadas em festas e acordaram durante seu estupro. Os momentos em que estamos vulneráveis e essa vulnerabilidade é explorada. Às vezes em que estamos fracas e que esta fraqueza é usada contra nós. Eu fico tão desestimulada e aborrecida, imaginando como isto pode chegar ao fim. Mas eu também penso nas vezes em que as mulheres que conheço foram mais fortes do que eu jamais imaginei que um ser humano podia ser. Quando a palavra NÃO foi gritada para fora, para o mundo, para que todos ouvissem e respeitassem. Quando as mulheres se negaram a ser vitimizadas e se negaram a ser manipuladas; eu abraço os momentos em que nós como mulheres, nos movemos através do mundo com uma poderosa força e graça que irradia de nós como ondas de choque. Vivenciar esta experiência me ensinou que eu nunca, jamais, quero me sentir daquele jeito de novo. Ensinou-me o poder de dizer não e me deu força para encontrar uma forma de dizer não de maneira firme. Desde aquela experiência, eu nunca mais permiti que alguém me manipulasse para o sexo. Quando eu digo sim, é porque eu quero dizer sim. Eu gostaria nunca ter vivido aquela experiência sexual, mas eu consegui pegar a dor e transformar em raiva. Eu peguei aquela fraqueza e a transformei em força."

Paz/Igualdade, Adrienne. 

*** Esta coluna é escrita por Adrienne Droogas, ex-vocalista da banda SpitBoy.

O texto acima relata um caso de abuso sexual ocorrido dentro de um movimento específico, porém é válido ressaltar que essa mesma exploração não existe somente dentro desta cena, destes shows ou destas festas. A exploração sexual sobre uma mulher existe em diversos espaços de socialização, uma vez que o machismo ainda prevalece fortemente no século XXI, às vezes subjetivamente ou como na maioria das vezes, claramente. Seguimos na nossa luta para que nenhuma agressão fique impune, para que nenhuma mulher seja abusada por ter bebido demais ou apanhe de seu companheiro quando chega em casa, para que todas as mulheres possam e consigam dizer NÃO, mesmo nos momentos nos quais estejam fragilizadas e, dentre muitos outros motivos, para que todas nós mulheres possamos um dia ter uma uma vida completamente emancipada e livre de submissões.

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