segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Texto Contra-Capa - Fanzine Edição #09

"Será que há algum mal em ter suas próprias escolhas?
Será que há algum mal em querer o fim da violência contra as mulheres?
Será que há algum mal em não aceitar o erotismo banal na mídia?
Será que há algum mal em lutar por um mundo onde caibam vários mundos?"
(Cosmogonia)

Quanto tempo mais?
Ninguém pode fazer por nós?
Ninguém pode gritar por ti?
Ninguém pode escutar todos esses pesadelos implícitos e claustrofóbicos dentro de si?
Quanto tempo a mais?
O que mais pode ser perdido?
Apostado?
Arruinado?
Destruído?
Essas vozes surdas!
Estas palavras mudas!
Essa pequena parte de mim,
Condena o cérebro por fim;
De quem pode sim fazer por si,
Gritar sem temer, lutar sem perder,
Eternamente eu farei por ti;
Acreditar em si!
É só mais um governo!
É só mais uma legislação!
É como pedir esmola!
É como sair do próprio chão!
Seja modesto?!
Quantas mais precisam morrer ao seu preço?
Qual é a margem de custo?
Pelas marcas e cicatrizes,
E pelo sangue no busto!
O que mais é necessário vender?
Qual é o padrão que se deve seguir?
Olhe para si, sente pena de ti?!
Qual é o padrão de beleza deste mês?
Qual é o fato típico deste ano?
Qual o crime escolhido a se tornar omisso?
Qual a manchete do jornal?
Quem mais? Quantas mais?!
Quem pode me ouvir? Sufoca a mim!
Entendam esses olhos tortos!
Esse sentir que violenta!
Essa prisão violeta!
Entenda qual é a cor ideal!
Entenda que todo tipo de amor é banal!
Não compreendes? 
Quanto tempo a mais?
Não se contenta?
Não se aguenta?
Eu não aguento mais;
Ver-lhe sangrar!
Ver-lhe calar!
Não te vejo lutar!
Quanto tempo a mais por esse nojo súbito?
Somos mulheres com rostos,
Somos mulheres com alma,
Somos mulheres com gosto,
Por nosso livre e espontâneo arbítrio,
Somos mulheres com cérebro como se fosse corpo!
Não somos apenas grãos!
Somos as flores nascidas nos locais mais improváveis!
Liberte-se,
Liberte o grito,
Sufoque quem te aflige,
Não mais calar! Não mais temer,
Liberte-se-à!
Porque violência aqui,
NÃO MAIS!

Por Natalia Capi - Jacareí - São Paulo - Brasil

Texto 2 - Fanzine Edição #09

Exploração Sexual

"Você não pode quebrar meu espírito.

Eu não queria transar com ele. Ele estava entrando e saindo do meu corpo, seu peso me pressionando contra a cama, sua respiração ofegante e molhada contra meu pescoço e tudo o que eu conseguia pensar era que eu não queria transar com ele. Eu nunca o vi em um contexto sexual durante toda nossa amizade. Eu nunca nem por um momento estive suavemente curiosa sobre como seria estar fisicamente íntima com ele. Na verdade, eu nunca o achei atraente. Ele não era um grande amigo, mas um conhecido casual que eu procurava sempre que a Spitboy estava em turnê e tocava pela Bay Area. E foi exatamente assim que eu acabei nessa situação em primeiro lugar. A banda dele estava ticando na Rua Gilman e eu desci para o show para assistí-los ticando. Ele até dedicou uma música para mim e eu não soube disto até que alguém comentou comigo mais tarde na noite. Eu e ele conversamos um pouco durante o show e depois que tudo mundo acabou de tocar, um grupo de pessoas se dirigiu até uma casa punk da localidade para uma festa pós-show. Quando começou a ficar tarde e as pessoas ainda estavam festejando, eu ofereci para ele um lugar para ficar na minha casa. Como ele não bebe, imaginei que seria um saco pata ele ter que passar a noite na casa, onde as pessoas estavam cada vez mais bêbadas e acabadas. Eu não estava bebendo naquela noite, então ofereci para ele um lugar calmo para cair. Nós fomos para meu apartamento e fizemos chá, sem realmente conversar sobre qualquer coisa vital ou importante, só papos bem comuns. Eu expliquei que ele poderia dormir no chão, mas que confiava nele e estaria confortável com ele dormindo na minha cama. Nós fomos para a cama, eu virei de costas para ele e ele encostou-se em mim, com seu braço em volta da minha cintura. Pra mim estava bem estramos aconchegados, então eu não reclamei e nem lhe pedi para que me deixasse. Sua mão começou a esfregar minha barriga e então foi em direção aos meus seios. Eu fiz ele parar e expliquei que não estava afim de sexo, que ficarmos aconchegados estava bom, mas nada sexual. Nós nos deitamos de costas de novo e ele ficou  quieto por um momento, e então sua mão começou a esfregar minha barriga novamente, movendo-se até o meu peito mais uma vez. Desta vez, ele também começou a insistir verbalmente. Eu fiz ele parar de novo, mas depois de um curto momento ele começou novamente. Eu interrompia, ele começava. Para trás e para frente. Finalmente eu desisti. Sucumbi à sua pressão. Eu concordei em fazer algo que não queria fazer. Durou alguns poucos minutos, e depois ele rolou de cima de mim e eu coloquei meu pijama novamente, me afastei para bem longe dele e nunca mais falei disso até agora. 
Parte desta coluna foi inspirada pela Arwen Curry na Maximun Rock N'Roll #247, onde aborda a questão de confrontar estupro e abuso sexual na cena punk. Se você não leu o artigo dela, por favor leia. Ler o artigo levantou muitas questões para mim que envolvem o que as mulheres consideram abuso sexual e o que elas consideram o fardo para toda vida de ser uma mulher. Os comentários indesejados, o ocasional toque/agarro anônimo em um show lotado, os bêbados desajeitados numa festa... são estes aspectos de ser uma mulher que nós todas simplesmente teremos que esperar? Se alguém agarra a bunda de uma mulher num show, a banda vai parar de tocar e todo mundo vai para o show, pegar o agressor e chutá-lo para fora e falar para que ele nunca mais volte? Rotulá-lo como alguém que abusa sexualmente as mulheres e deixar claro que ele é indesejado na cena punk? Ou o show apenas continua seguindo? Infelizmente, eu estive em muitos shows onde uma mulher recebeu contato sexual indesejado e os shows sempre seguem noite adentro. Ler o artigo da Arwen também trouxe à tona questões que me fizeram agonizar durante muito tempo. Existem homens na cena punk que conheço e que abusaram sexualmente de mulheres. Existe um cara de uma banda que chorando me contou sobre como ele transou bêbado com uma menina em um jardim, e ela estava chorando e obviamente não estava fim daquilo e ele fez do mesmo jeito. Tem o cara que está direto na MTV, que me contou sobre como costumava deixar as garotas demasiadamente bêbadas e então fodia elas. Ou o cara que leva o selo de discos que levou uma amiga minha para casa quando estava bêbada e mesmo quando ela disse não repetidas vezes, assim assim ele a forçou. Ela descreveu graficamente para mim como estava dizendo não, enquanto ele forçava passagem para dentro do corpo dela. Estes são homens de bandas que você reconheceria instantaneamente. Homens bem considerados e respeitados na cena punk. Homens que escrevem para fanzines que você lê. Todos esses eventos que foram compartilhados comigo aconteceram muitos e muitos anos atrás, e alguns poucos homens demonstraram profundo remorso, arrependimento e culpa sobre o que aconteceu. Então isto é um motivo para me manter em silêncio? Estes homens serão banidos da cena punk e colocados para sofrer da mesma maneira que as mulheres que eles estupraram sofreram? Até onde posso dizer por todas as vezes que essa questão foi levantada na cena punk, não. Não, eles não irão perder nada de sua auto-estima e valor na cena punk. Não, eles não serão exilados e punidos. Na minha situação que descrevi anteriormente, tudo o que eu queria era aconchego, ter um amigo dormindo perto, ter a chance de conversar e oferecer um lugar seguro para cair e para que ambos, confortavelmente, caíssemos no sono. Ao invés disso, fui manipulada e coagida a fazer sexo com alguém com quem eu nunca quis. Eu poderia ter dado um soco nele, um tapa, gritado por socorro, empurrado ele para fora pela porta, pedido que dormisse no chão... eu tive opções. Mas estava fraca e ele forçou caminho entre a fraqueza até que conseguiu o que queria. Eu penso em todas mulheres por aí afora, que lutaram para encontrar voz para dizer NÃO. As mulheres que disseram não e tiveram isto desconsiderado. As mulheres que desmaiaram bêbadas em festas e acordaram durante seu estupro. Os momentos em que estamos vulneráveis e essa vulnerabilidade é explorada. Às vezes em que estamos fracas e que esta fraqueza é usada contra nós. Eu fico tão desestimulada e aborrecida, imaginando como isto pode chegar ao fim. Mas eu também penso nas vezes em que as mulheres que conheço foram mais fortes do que eu jamais imaginei que um ser humano podia ser. Quando a palavra NÃO foi gritada para fora, para o mundo, para que todos ouvissem e respeitassem. Quando as mulheres se negaram a ser vitimizadas e se negaram a ser manipuladas; eu abraço os momentos em que nós como mulheres, nos movemos através do mundo com uma poderosa força e graça que irradia de nós como ondas de choque. Vivenciar esta experiência me ensinou que eu nunca, jamais, quero me sentir daquele jeito de novo. Ensinou-me o poder de dizer não e me deu força para encontrar uma forma de dizer não de maneira firme. Desde aquela experiência, eu nunca mais permiti que alguém me manipulasse para o sexo. Quando eu digo sim, é porque eu quero dizer sim. Eu gostaria nunca ter vivido aquela experiência sexual, mas eu consegui pegar a dor e transformar em raiva. Eu peguei aquela fraqueza e a transformei em força."

Paz/Igualdade, Adrienne. 

*** Esta coluna é escrita por Adrienne Droogas, ex-vocalista da banda SpitBoy.

O texto acima relata um caso de abuso sexual ocorrido dentro de um movimento específico, porém é válido ressaltar que essa mesma exploração não existe somente dentro desta cena, destes shows ou destas festas. A exploração sexual sobre uma mulher existe em diversos espaços de socialização, uma vez que o machismo ainda prevalece fortemente no século XXI, às vezes subjetivamente ou como na maioria das vezes, claramente. Seguimos na nossa luta para que nenhuma agressão fique impune, para que nenhuma mulher seja abusada por ter bebido demais ou apanhe de seu companheiro quando chega em casa, para que todas as mulheres possam e consigam dizer NÃO, mesmo nos momentos nos quais estejam fragilizadas e, dentre muitos outros motivos, para que todas nós mulheres possamos um dia ter uma uma vida completamente emancipada e livre de submissões.

Texto 01 - Fanzine Edição #09

Parto Humanizado

Na maioria das leituras que fiz para produzir este texto, vi o termo "parto humanizado" muito relacionado com o "parto domiciliar" e com o "parto natural", motivo pelo qual irei focar neste aspecto da questão.
Acredito na profunda relação entre estes termos no sentido de que, humanizar inclui - entre outras coisas - a autonomia da escolha pelo tipo de parto pela gestante; o que temos hoje é uma taxa altíssima nos índices de partos cesáreas no Brasil (em torno de 44%, sendo que a recomendação da OMS é que não ultrapasse 15%). Um número ainda mais alarmante é o de partos cirúrgicos nos hospitais privados, que chegam a quase 85% em relação aos partos naturais.
Defendo a posição de que é um direito das mulheres escolherem pelo parto cesariana ou natural, ou ainda pelo parto realizado em casa, mas o que é imprescindível é que estas sejam informadas de todos os benefícios e riscos de AMBAS as práticas! E a realidade é que as cesáreas envolvem muito mais riscos tanto para o bebê quanto para a mãe, como também a maior ocorrência de hemorragias e infecções, problemas de cicatrização, além da possibilidade de laceração dos órgãos da mãe e até mesmo do bebê, durante o corte do útero. Por conta de todos estes riscos, a taxa de morte materna em partos cesarianas é em torno de 3,5 vezes maior do que em partos normais.
Mas então, por que a taxa tão alta de partos cirúrgicos? Como quase tudo neste país capitalista em que vivemos, a base está na questão ECONÔMICA! A realização do parto natural e do parto domiciliar exigem profissionais com domínio de técnicas para este tipo de atendimento, porém um parto realizado em casa, por exemplo, demanda muito mais tempo do que uma cesariana; além do que, esta última é  ais cômoda para a equipe médica, visto que é agendada com data e horários certinhos. Vemos aí um total desrespeito com o corpo tanto materno quanto do bebê, já que se corre o risco de retirar este do útero antes dele estar pronto para isso; situações onde ambos (mãe e filhx) são saudáveis, é a natureza quem deve decidir a hora do nascimento.
Concluindo, não acho que as cesáreas são totalmente contra-indicadas, até porque em muitos casos ela pode ser o único meio indicado para determinada gestante; o que tento esclarecer aqui é que na maioria dos casos ela é indicada por simples COMODIDADE por parte da equipe médica.
O parto natural e domiciliar oferece inúmeros benefícios para a gestante/criança, tais como uma melhor e mais rápida recuperação, deixando a mãe mais tranquila e favorecendo a lactação; redução de riscos de infecção hospitalar; menor dor pós-parto; além de proporcionar maior vínculo emocional e materno entre mãe e filhx.
Seguem algumas situações nas quais são indicadas as cesáreas:
- Desproporção Céfalo-Pélvica: esta denominação complicada indica que a cabeça do bebê é maior do que a passagem vaginal da mãe;
- Quando o bebê está atravessado no útero;
- Gestantes portadoras de HIV (o parto é o momento de maior troca sanguínea entre mãe e filhx, então a cesárea diminui o risco de infecção da criança);
Estes são apenas ALGUMAS das situações onde são indicadas as cesáreas, porém é importante consultar especialistas de confiança e procurar o maior número possível de informações sobre as opções de parto, para que esta seja uma escolha CONSCIENTE e favoreça a saúde de todos os envolvidos.